terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Entrevista: Alexandre Borges, criador do projeto Tênis na Lagoa

Recentemente publiquei como foi minha visita ao projeto Tênis na Lagoa, obra social que envolve nosso esporte na zona sul do Rio de Janeiro. Naquela ocasião fiz uma entrevista com Alexandre Borges, criador e mantenedor do projeto. Publico abaixo o resultado deste bate-papo, que foi muito esclarecedor e descontraído. Como disse no outro post, ele é um cara muito fácil de se relacionar, divertido e muito atencioso. E não poderia ser diferente, pois o trabalho que conduz e, principalmente, a forma como o conduz é admirável. Leia e veja você mesmo como funciona o Tênis na Lagoa e, se possível, ajude-o a conduzir esta bela obra. As crianças agradecem. Sempre lembrando que os destaques em negrito são por minha conta.

Primeiramente, gostaria de lhe agradecer pelo tempo cedido. Obrigado mesmo. Bom, para começar, vamos falar um pouco de você. Como foi e quando se deu seu primeiro contato com o tênis? Como este esporte entrou na sua vida? Você ainda joga?
Foi pela televisão, com meu pai, assistindo a um jogo, tinha mais ou menos seis ou sete anos. Meu pai viu meus olhos brilhando para o tal jogo, e perguntou se eu queria conhecer o esporte, e prontamente eu quis. Profissionalmente, não jogo não, só por lazer ou nas aulas.

Como surgiu a idéia de criar um projeto social?
Dava aula na Lagoa, e sempre via os boleiros dos clubes passando pela quadra, e eu e uma amiga, que dava aula junto, resolvemos fazer um torneio para estes boleiros, só para movimentar, e demos conta que era um número muito grande de crianças que queriam conhecer este esporte, mas não tinham a oportunidade. Então, neste torneio – que foi no dia das crianças de dois mil e três – veio a ideia de formar um projeto para eles terem a condição de ter um lugar para jogar, já que nos clubes em que trabalhavam como boleiros eles não podiam jogar. Enfim, um chama o outro, que chama o outro, aí já viu. Formamos o Projeto Tênis na Lagoa. Fomos em escolas públicas dos bairros perto e convidamos mais crianças.

Com a idéia em mãos, como foi o processo de pô-la em prática? Você enfrentou muitas dificuldades burocráticas? Como as autoridades (governo municipal, estadual, etc.) reagem a esse tipo de iniciativa? Há apoio institucional ou “a briga é feia” pra tirar a idéia do papel?
Fomos na subprefeitura da zona sul, e pedimos permissão para utilizar as quadras, para dar aulas a crianças carentes, e eles prontamente apoiaram, e até hoje eles sempre nos apoiam, cedendo o espaço para as aulas e dando autorizações para os eventos que realizamos todos os anos: Maio - aniversário do projeto / outubro - dia das crianças / Dezembro - Natal. Deixo bem claro, não recebemos verba alguma da subprefeitura, apenas temos esta parceria de ela nos conceder o espaço para as aulas e para as festas.

Fala um pouco pra nós do que é o “Tênis na Lagoa”. Quando ele iniciou? Como funciona? Quem é beneficiado por ele?
O Projeto Tênis na Lagoa é um projeto sem fins lucrativos, que visa transformar crianças sem oportunidades em grandes cidadãos, dar a elas uma visão do que é um excelente esporte como o tênis e, é lógico, se alguma despontar vamos ficar muito felizes. Mas nosso objetivo maior é transformar cidadãos, ensiná-los a ter respeito pelo próximo, respeito por si mesmo, dar concentração, coordenação motora, relacionamento interpessoal, etc. Todas as crianças que morem em comunidades, ou que não tenham condições de pagar aulas, que estejam matriculadas em escolas públicas, e ter de seis a dezoito anos, serão muito bem vindas.

Quantas crianças são atendidas hoje? Elas precisam, obrigatoriamente, estar estudando para participar do projeto, certo?
São setenta e cinco crianças atendidas hoje. Com o começar do ano, ainda vamos ver como ficam estes números. E, sim, elas precisam estar estudando para participar.

Crianças de comunidades mais distantes da zona sul podem participar? Você tem alguma hoje nesta situação?
Podem sim, mas quanto mais longe, mais passagem é gasta. Como eu banco a de algumas, fica meio pesado para mim. Posso citar como exemplo, as duas irmãs gêmeas, mas estas eu não pago a passagem, pois elas vêm para a quadra com o pai. Uma história bem legal. Elas tinham ido ver o Remo no Flamengo, mas chegaram lá e viram que era pago e elas não tinham condições de fazer. Quando passaram pela quadra, ficaram olhando e eu percebi e fui perguntar se elas não tinham interesse de conhecer o tênis. Falei sobre o projeto, que era gratuito, e elas toparam, e hoje amam jogar. Elas moram em Rocha Miranda, e têm quinze anos.

Você tem algum exemplo pra nos dar de algum dos seus alunos que tenha tido impacto direto em sua vida devido ao projeto? Alguma situação em casa ou na escola que a convivência e aprendizado com você dentro do Tênis na Lagoa tenha sido determinante para a melhora de seu comportamento?
Eu acho posso citar o Paulinho, menino pobre, morador da Cruzada, que teria todo o perfil de aos dezesseis anos atuais estar na rua fazendo coisas ruins, devido a um histórico violento em casa, uma situação muito ruim de moradia, de convivência ruim, mas que mudou radicalmente seu comportamento dentro e fora das quadras. A escola é um ótimo exemplo para isso, ele era considerado "um menino problema", que aprontava muito, e hoje ele está bastante comedido. A diretora da escola me liga e me diz como ele está se portando, e posso afirmar que mudou da água para o vinho.

Quando os jovens atingem a maior idade (dezoito anos), como acontece seu desligamento do projeto? Algum jovem já atingiu esta condição? Como eles reagem a isso?
Eles sabem que existe este momento, mas alguns, mesmo com dezoito anos, não se desligam por completo. Eu sinto muita vontade, mas sei que isso é mais para frente, de conseguir dar continuidade para eles, dar algo, que quando completem esta idade, eles possam estar mais encaminhados, mas é algo ainda mais para frente. Sei que vou conseguir. Mas até agora, como vamos completar sete anos, e muitos começaram muito cedo, ainda não tive muitos completando dezoito anos.

A Federação de Tênis do Rio de Janeiro te ajuda ou ajudou em algum momento desde que você começou? Digo, desde a idéia em um papel até os dias de hoje.
Na verdade, como sempre quisemos apenas tirar as crianças do ócio, nunca pedimos nada à federação. Nem nunca divulgamos a ela sobre a existência do projeto, apesar de muitos me conhecerem há mais de sete anos, e sabem indireta, ou discretamente da existência do mesmo. Há dois anos mais ou menos, as crianças começaram a me cobrar que queriam jogar fora das quadras, disputar campeonatos, daí sim, fui na federação e pedi uma ajuda, para que as crianças pudessem ir jogar sem pagar a inscrição, pois como seria eu quem iria pagar estas inscrições, ficaria muito caro para eu sozinho pagar tudo, inscrição, boleiro dos jogos, passagem, e lanche. E até hoje, desde quando eu pedi da primeira vez, eles sempre liberaram a gente das inscrições e, quero destacar, eles tratam todas as crianças com muito respeito.

Você tem algum patrocínio ou parceiro que te ajude a manter o projeto ou é tudo custeado por você? Você obtém algum benefício no momento da aquisição do material de treino?
Temos há um ano e meio a Loja Protenis da Barra nos dando uma força nos eventos, às vezes eles fazem algumas campanhas de materiais usados e consegue custear o lanche que damos às crianças. Já é uma boa ajuda.

O custo do projeto é todo seu? Passagem, lanche dos meninos/meninas, material, tudo você tira do próprio bolso?
Sim, praticamente todo, tenho ajuda de alguns dos alunos particulares que, quando trocam suas raquetes, me dão as usadas. Alguns me dão roupas também. Mas passagem de alguns e lanche nas aulas não dou mais, pois é um custo muito alto, que não posso bancar, infelizmente. Em dias de festas, tenho algumas pessoas que me ajudam sempre, mas nunca peço dinheiro, peço ajuda em material.

Nem mesmo depois da visita de Guga e Luciano Huck ao seu projeto, depois de aparecer na TV na emissora de mais audiência do país ficou mais fácil conseguir expandi-lo, conseguir mais patrocinadores?
Não, consegui mais conhecimento. As pessoas agora sabem da existência do Projeto, sabem que é algo sério. Mas não consegui nenhum patrocinador. E o foco do programa não foi o projeto, e sim ajudar a uma criança.

Sim percebemos claramente que o foco era o Rafael, mas sempre ficamos na esperança de que quem veja ajude, não é? Enfim, os alunos do “Tênis na Lagoa” competem em algum tipo de torneio? Você tem intenção de fazê-los competir, seja em que nível for?
Eles competem os campeonatos estaduais da federação, mas daqui do Rio de Janeiro. Quando este torneio fica fora do município, fica muito complicado de custear a ida.

Você sabe que o tênis é tido como um esporte de elite, infelizmente. Como você vê a aceitação do esporte nessas crianças que participam do projeto? Você, que lida com eles com freqüência, acha que falta o quê para o tênis se tornar um esporte mais popular no Brasil?
Eu acredito que este esporte, para ficar mais popular, seria preciso aparecer um novo Thomaz Koch ou um novo Guga, porque na era Guga, tínhamos muitas crianças que se espelhavam nele, daí cresceu o número de interessados. No futebol tem sempre tem uns dez ídolos por ano no campeonato brasileiro, que ganham muito, e gastam nada para jogar. No tênis, quando aparece um grande ídolo, olha o tempo que leva para ter outro. Alem do mais, o material é caro. Um bom tênis para jogar não sai por menos de quatrocentos reais e às vezes não dura seis meses. Raquetes, bolas, corda da raquete, sai tudo muito caro, fora o espaço (quadras), que não existem tantos no Rio de Janeiro para se jogar. Enfim, um somatório de coisas que fica muito difícil de se popularizar o esporte.

Entrevistei o Jorge Lacerda, presidente da CBT, recentemente e ele disse que a entidade apóia alguns projetos sociais, mas não tem verba suficiente para atender a todos. Ele disse, porém, que os projetos cadastrados com eles ganham o direito de jogar eventos CBT sem pagar taxas e inscrição. Você sabia disso? Você faz uso desse benefício?
Sim sabemos, já conversei sobre as crianças que já jogam federadas de jogarem também pela CBT, mas estamos esperando para ver como fica a política para o projeto.

Muita gente diz que se tivesse tempo se engajaria em projetos sociais. Você certamente tem outras ocupações e emprego. Como é para você a rotina neste projeto? Como você consegue conciliar as coisas?
Acredito que para mim é mais fácil, porque já estou engajado no esporte e vi que dentro daquilo que domino eu podia ajudar. Mas só posso falar de mim. A vida hoje em dia está muito corrida, mas acredito que dentro de cada coisa que o ser humano domina, que se cada um na sua área fizesse algo para ajudar o outro, mudaríamos muita coisa.

Você sente necessidade de expandir o projeto? Que idéias você tem para o “Tênis na Lagoa”?
Sim, só falta um pouco de tempo, dinheiro e estrutura para isso. Tenho alguns planos sim, mas isso ainda é segredo (risos).

Quer dizer que se você achasse algum investidor o projeto poderia atender ainda mais e de maneira mais profunda um número maior de crianças?
Com certeza. Sei que pode ser meio utópico, mas tenho muitos sonhos a realizar para o projeto. Não só no esporte, mas dar condições melhores no esporte e na vida.

Você trabalharia com voluntários? Se alguém tiver interesse em te ajudar, como deve fazer?
Acho que só nas festas. No dia a dia acho muito complicado, pois cada pessoa tem um pensamento, e eu sei o que quero para o projeto, sei da seriedade e da verdade que o faço, sei do amor que tenho por cada criança. Não sei se conseguiria alguém com o mesmo pensamento que o meu. Mas nas festas funciona muito bem. Este ano, na festa de natal, foi a melhor festa que eu fiz, pois os amigos e alguns alunos colocaram a mão na massa e fizeram uma grande corrente, doando-se num domingo ensolarado de dezembro para fazer o bem. Mas a ajuda pode vir de várias maneiras, através de doações de materiais, ajuda nos torneios para levá-los, se tiver alguma clínica ou médico que queira fazer atendimento gratuito. Muita coisa pode ser feita, é só entrar em contato comigo pelo telefone que está disponível no site ou mandando um e-mail. Toda ajuda é bem vinda.

Alexandre, a palavra agora está livremente com você. Use este espaço pra deixar seu recado como desejar.
Gostaria primeiramente de agradecer o espaço. Pessoas como você, que deixam a gente abrir a boca e dão espaço para falarmos de algo sério, algo que acreditamos, não são muitas. Quero que todos conheçam o Projeto Tênis na Lagoa, que é algo que faço por ideal, e não por grana. Quero que as pessoas que o conheçam queiram ajudar. Qualquer ajuda ou proposta de melhoria é muito bem vinda, as crianças agradecem. Não tenho muito a dizer, e sim só convidar as pessoas que quiserem conhecer uma ação social séria e queiram ajudar, é só aparecer. Serão muito bem vindas.

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